Pós-Modernidade
Michel Foucault postulava que os enunciados se inserem em discussos,
que, consequentemente combinados, formam o poder-saber de uma sociedade. Mesmo
que as ideias sejam intrinsicamente repletas de potencial, seu desdobramento
político só se realiza na medida em que são inseridas em um conjunto de outras
ideias formando um mesmo espaço, um lugar comum de expressividade. Esse “patrimônio
comum” de ideias pode ser entendido como paradigma quando, historicamente,
representa a fonte de outras ideias posteriores estendidas e, por vezes,
contrapostas. A reformulação de enunciados dão continuidade ao espaço comum, enriquecendo-o
de novas ideias, modificando-o, mas sem que os elementos anteriores sejam
perdidos. Atualmente, as possibilidades tecnológicas propiciam uma maior
interação social promovendo novas formas de enunciação. O “patrimônio comum” da
pós-modernidade se caracteriza como um mosaico de ideias disponíveis a diversos
segmentos sociais, independentemente da hierarquia em que estão inseridas. Ao
longo do tempo esse espaço comum foi desconstruído e reconstruido em frequência
e intensidade progressivas. Não se pode falar mais em signos e enunciados hierarquizados,
mas sim em “jogos de linguagem” que coordenam ideias de uma localidade em
contraposição ou intercalação ao “patrimônio comum” global.
Lavousier em seu axioma “Na Natureza nada se cria, tudo se
transforma” é popularmente revisitado no jargão: “Na Natureza nada se cria,
tudo se copia”, mas não se trata aqui de uma cópia íntegra de enunciados, o “patrimônio
de ideias” é desconstruído e construído num dado momento histórico através da
recomposição de “fragmentos da linguagem” em diversos segmentos sociais; o novo
enunciado é construído a partir dos fragmentos e remodelado para se inserir em
um novo discusso saber-poder. Lyotard entendia o “patrimônio comum” de ideias
como “jogos de linguagem” instáveis, onde cada enunciante tem a faculdade de
utilizar-se dos “fragmentos da linguagem” prévios, conforme a necessidade de
uso. Devido a instabilidade de formulações de discusso nas comunidades de
falantes da atualidade, as ideias e enunciados não estariam catalogados,
organizados hierarquicamente como o estruturalismo linguístico assim o
imaginava, trata-se de um mosaico, uma multiplicidade de ideias dispostas em
paralelo e a disposição dos diversos segmentos sociais. Uma verdadeira dispersão
das ideias em “nuvens de elementos narrativos” se apresenta na constituição do
novo saber-poder.
Antes estético do que propriamente racional, a nova
encunciação se assemelha ao uso das roupas conforme a ocasião social. As ideias
atomizadas e dispersas ao serem colhidas conforme uma determinada vontade ou
desejo humano permitem criar tão somente um poder-saber local, delimitado ao
discusso da comunidade de enunciantes a que foram inseridas. O racionalismo, o
paradigma do “patrimônio comum” de ideias global, perdem sentido ao analisarmos
as inter-relações entre os diversos saberes-poder formados dispersamente nas distintas
comunidades sociais. Essa falta de sentido não implica na negação desse espaço
global, mas na multiplicidade de possibilidades de reconstituí-lo racionalmente
conforme a combinação de seus enunciados. Continuamente ele é realimentado pelos
“jogos de linguagem” e poderes-saberes locais.
As ideias seriam sim um “patrimônio comum”, mas um
patrimônio que é modificado conforme “jogos de linguagem” locais.
Politicamente, poderes, saberes e vontades surgem conforme os rearranjos multidimensionais
daquelas. O espaço comum de ideias influencia e é influenciado pelas
comunidades numa dinâmica cada vez maior ao passo que novas tecnologias vêm
permitindo uma interação cada vez mais intensa no interior dos diversos
estratos sociais.