quarta-feira, 18 de maio de 2016

Pós-Modernidade

Michel Foucault postulava que os enunciados se inserem em discussos, que, consequentemente combinados, formam o poder-saber de uma sociedade. Mesmo que as ideias sejam intrinsicamente repletas de potencial, seu desdobramento político só se realiza na medida em que são inseridas em um conjunto de outras ideias formando um mesmo espaço, um lugar comum de expressividade. Esse “patrimônio comum” de ideias pode ser entendido como paradigma quando, historicamente, representa a fonte de outras ideias posteriores estendidas e, por vezes, contrapostas. A reformulação de enunciados dão continuidade ao espaço comum, enriquecendo-o de novas ideias, modificando-o, mas sem que os elementos anteriores sejam perdidos. Atualmente, as possibilidades tecnológicas propiciam uma maior interação social promovendo novas formas de enunciação. O “patrimônio comum” da pós-modernidade se caracteriza como um mosaico de ideias disponíveis a diversos segmentos sociais, independentemente da hierarquia em que estão inseridas. Ao longo do tempo esse espaço comum foi desconstruído e reconstruido em frequência e intensidade progressivas. Não se pode falar mais em signos e enunciados hierarquizados, mas sim em “jogos de linguagem” que coordenam ideias de uma localidade em contraposição ou intercalação ao “patrimônio comum” global.

Lavousier em seu axioma “Na Natureza nada se cria, tudo se transforma” é popularmente revisitado no jargão: “Na Natureza nada se cria, tudo se copia”, mas não se trata aqui de uma cópia íntegra de enunciados, o “patrimônio de ideias” é desconstruído e construído num dado momento histórico através da recomposição de “fragmentos da linguagem” em diversos segmentos sociais; o novo enunciado é construído a partir dos fragmentos e remodelado para se inserir em um novo discusso saber-poder. Lyotard entendia o “patrimônio comum” de ideias como “jogos de linguagem” instáveis, onde cada enunciante tem a faculdade de utilizar-se dos “fragmentos da linguagem” prévios, conforme a necessidade de uso. Devido a instabilidade de formulações de discusso nas comunidades de falantes da atualidade, as ideias e enunciados não estariam catalogados, organizados hierarquicamente como o estruturalismo linguístico assim o imaginava, trata-se de um mosaico, uma multiplicidade de ideias dispostas em paralelo e a disposição dos diversos segmentos sociais. Uma verdadeira dispersão das ideias em “nuvens de elementos narrativos” se apresenta na constituição do novo saber-poder.

Antes estético do que propriamente racional, a nova encunciação se assemelha ao uso das roupas conforme a ocasião social. As ideias atomizadas e dispersas ao serem colhidas conforme uma determinada vontade ou desejo humano permitem criar tão somente um poder-saber local, delimitado ao discusso da comunidade de enunciantes a que foram inseridas. O racionalismo, o paradigma do “patrimônio comum” de ideias global, perdem sentido ao analisarmos as inter-relações entre os diversos saberes-poder formados dispersamente nas distintas comunidades sociais. Essa falta de sentido não implica na negação desse espaço global, mas na multiplicidade de possibilidades de reconstituí-lo racionalmente conforme a combinação de seus enunciados. Continuamente ele é realimentado pelos “jogos de linguagem” e poderes-saberes locais.

As ideias seriam sim um “patrimônio comum”, mas um patrimônio que é modificado conforme “jogos de linguagem” locais. Politicamente, poderes, saberes e vontades surgem conforme os rearranjos multidimensionais daquelas. O espaço comum de ideias influencia e é influenciado pelas comunidades numa dinâmica cada vez maior ao passo que novas tecnologias vêm permitindo uma interação cada vez mais intensa no interior dos diversos estratos sociais.